CRMV-ES promove debate sobre os desafios e as transformações no ensino da Medicina Veterinária
Evento presencial reuniu médicos-veterinários representantes das IES capixabas na sede do Conselho, em Vitória, e foi importante marco para a aproximação entre as instituições
“Qualidade existe em qualquer tipo de curso. Mas qualidade pressupõe investimento em pessoas e, é claro, em estrutura”, trouxe a médica-veterinária e professora Maria Clorinda Fioravanti durante o evento O Ensino Médico-Veterinário em Transformação: DCN 2019 e Avaliação Profissional, realizado na última quarta-feira (6/08), na sede do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Espírito Santo (CRMV-ES), em Vitória. A iniciativa foi promovida pela Comissão Técnica de Ensino da Medicina Veterinária do regional, com apoio do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).
A médica-veterinária Maria Clorinda Soares Fioravanti, presidente da Comissão Nacional de Educação em Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV) e referência nacional em ensino veterinário, foi convidada para liderar o bate-papo. Professora titular da Universidade Federal de Goiás (UFG), Clorinda tem vasta experiência acadêmica e compartilhou reflexões sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2019, os riscos do ensino à distância na área e alguns desafios enfrentados pelas Instituições de Ensino Superior (IES).
A Diretoria Executiva do CRMV-ES foi representada pelo médico-veterinário e vice-presidente, Rodolpho Barros. Estiveram presentes também os médicos-veterinários integrantes da Comissão Técnica (a presidente, Thaiz de Deco Souza, e os membros Felipe Berbari Neto, Fernando Luiz Tobias, Gabriel Domingos Carvalho, Henrique Meiroz de Souza Almeida e Thiago Oliveira de Almeida), e o médico-veterinário e assessor técnico, Andreey Teles.
O evento faz parte das ações propostas pelo Conselho para estreitar as relações com as instituições de ensino, em defesa da educação de qualidade, do fortalecimento da Medicina Veterinária e da valorização da atuação profissional. Estiveram no encontro coordenadores e docentes dos cursos de Medicina Veterinária do Espírito Santo, previamente convidados como representantes das IES.

A presidente da Comissão Técnica de Ensino da Medicina Veterinária do CRMV-ES, Thaiz Deco, reforçou que o evento teve como objetivo aproximar o Conselho das instituições, colocando-o à disposição para contribuir com orientações e apoio técnico.
“Queremos que o CRMV-ES seja procurado pelas instituições de ensino, que os coordenadores tragam suas dúvidas e questões. O Conselho está aqui para apoiar, para pensar junto e ajudar a construir uma educação veterinária mais forte no Espírito Santo. Venham até nós”, reforçou.
Thaiz também é conselheira da atual Gestão do CRMV-ES e membro da CNEMV/CFMV. Ela lembra que a luta por uma educação de qualidade é uma causa coletiva e as conquistas são benéficas para toda a classe.
“Hoje faço parte também do nacional e é um constante aprendizado. Todos temos um objetivo único, por um bem maior. Essa reunião é muito importante e queremos isso mais vezes. E reforço: busquem o Conselho. Muitas vezes o médico-veterinário não busca o Conselho antes das ações, vemos em todas as áreas. Busquem a gente, tragam questões, peçam ajuda para entender novas normas, para tirar dúvidas, pois temos desafios a serem enfrentados juntos”, destacou.
“Precisamos nos sentir confortáveis para falar sobre as nossas dores, sem receio de estarmos errados. Por mais que lá fora exista uma concorrência entre instituições, estamos unidos por algo muito maior: pela Medicina Veterinária, pela profissão que nos dá orgulho. A cada passo que a gente der em conjunto, tudo ficará mais leve e mais claro. É importante utilizar a ajuda com Conselho para que as dúvidas não se transformem, depois, em algo difícil de consertar”, conclui a profissional.
O encontro promoveu um espaço de diálogo, troca de experiências e debate sobre desafios, visando a construção de uma formação mais sólida, ética e alinhada às exigências da profissão.
ENSINO À DISTÂNCIA E DESVALORIZAÇÃO DO CURSO
Durante a conversa, um dos pontos abordados pela professora Maria Clorinda Fioravanti foi a recente decisão do Ministério da Educação (MEC), que excluiu a Medicina Veterinária da lista de cursos a serem ofertados com grade 100% presencial. ⚠️ A medida contraria diretamente as DCNs de 2019, que estabelecem, por exemplo, a obrigatoriedade de atividades práticas com animais desde os primeiros semestres, além de estágios supervisionados e projetos de extensão – elementos fundamentais para uma boa formação do médico-veterinário.
“É impossível cumprir as DCNs em cursos semipresenciais. O modelo não atende os requisitos mínimos necessários. A formação médica-veterinária exige prática, ética e responsabilidade, pois lida com vidas e tem impacto direto na saúde pública”, afirmou a professora. Dados do Enade 2023 apontaram que a maioria dos cursos privados obteve conceitos entre 2 e 3, reflexo direto da defasagem prática imposta pelo ensino remoto durante a pandemia.
A professora relatou alguns desafios encontrados pela Comissão Nacional, que analisa projetos de curso que desvalorizam o profissional e tratam o ensino apenas como um produto a ser comercializado.
“É assustador quando chegam os projetos de curso de Medicina Veterinária para avaliarmos. Às vezes aparecem cursos sem nenhum profissional médico-veterinário entre os docentes. Como é possível um curso de Medicina Veterinária sem um médico-veterinário no colegiado? Ou com número baixo de médico-veterinários? E com essa reflexão precisamos ter o cuidado também de entender que quem está na ponta não é o culpado, porque as pessoas precisam de emprego. Por isso nossa conversa deve ser com as instituições e com o MEC. Se nós, médicos-veterinários, não entendermos que precisamos de um mínimo de qualidade no ensino, a nossa profissão acaba”, disse.
MEDICINA VETERINÁRIA TAMBÉM É SAÚDE
Apesar dos desafios relacionados ao ensino, a professora lembrou que existe um contrassenso, com o crescimento do espaço da Medicina Veterinária em diversos setores, principalmente no âmbito da saúde pública. “Temos uma janela de oportunidade com isso. Mas precisamos lembrar que temos uma outra batalha: fazer a sociedade compreender que a Medicina Veterinária também se enquandra como uma profissão da área de SAÚDE, e não somente de agrárias como está hoje para avaliação no MEC”.
Isso é importante, Clorinda explicou, porque o enquadramento do curso apenas como ciências agrárias hoje é um problema que influencia, inclusive, na forma como é feita a fiscalização da qualidade dos espaços de ensino.
“Para cursos enquadrados em agrárias, a avaliação in loco do ambiente institucional pode ser remota. Para os cursos enquadrados em saúde, o instrumento de avaliação muda e é obrigatório que seja presencial, visitando a instituição de ensino. Por isso reforçamos que o MEC precisa reconhecer nosso curso como um curso duplo, de agrárias E de saúde. Medicina Veterinária é uma profissão com duas áreas”, complementou.
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE x PROCESSOS-ÉTICOS PROFISSIONAIS
O Setor de Fiscalização do CRMV-ES é referência dentro do Sistema CFMV/CRMVs, como lembrou o vice-presidente, Rodolpho Barros, ao trazer para o debate dados importantes sobre o aumento de processos ético-profissionais envolvendo recém-formados no estado.
“Nosso Conselho é um dos que mais fiscaliza no Brasil. Em parte, provavelmente, porque temos um estado pequeno e isso nos favorece, mas também porque somos rigorosos com a fiscalização. Até pouco tempo atrás, víamos profissionais enfrentando processos éticos, muitas vezes, porque não acompanharam as atualizações nas normas e não se adequaram. Ou por casos absurdos. Mas o cenário que encontramos agora é o recém-formado recebendo um processo ético e isso é grave“, ressaltou.
“Uma penalização cria um efeito cascata e tem grande impacto na carreira do profissional. Talvez este cenário esteja relacionado ao aumento expressivo do número de profissionais recém-formados nos últimos anos, com o aumento de cursos de Medicina Veterinária, mas a situação nos acende um alerta. Precisamos preparar o profissional para o mercado, para que ele atue com excelência e saiba se proteger”, concluiu o médico-veterinário.
Para Clorinda, uma maneira de conter o aumento do número de processos ético-profissionais é trabalhar para a melhoria no ensino da profissão, e isso reforça a importância das Comissões nacionais e regionais do sistema CFMV/CRMVs.
“O número de processos éticos-profissionais têm aumentado e a melhor maneira de contermos esse avanço é termos o profissional adequadamente formado. Nós hoje não temos noção de como está a qualidade das residências veterinárias hoje, por exemplo, e os profissionais passam por elas. Queremos, inclusive, reativar permanentemente a Comissão Nacional de residência médico-veterinária, para trabalhar junto à Comissão de Educação, mas de maneira individualizada. E é fundamental que os regionais tenham uma Comissão de Ensino, atualmente nem todos têm, para tratar desses assuntos e entender o cenário do próprio estado”. A professora acrescentou, ainda, que é relevante que toda Comissão de Ensino regional inclua um membro responsável pelas residências.
